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Em parceria com a Embrapa Hortaliças, estação de tratamento de esgoto garante água limpa para irrigação de hortaliças. Em outra frente, com a Embasa, empresa de saneamento da Bahia, estudo mapeou potencial da prática no estado

COM EMBRAPA HORTALIÇAS E EMBASA, IICA INVESTE EM ESTUDO E PESQUISA SOBRE O TRATAMENTO DE EFLUENTES PARA USO AGRÍCOLA

País de publicação
Brasil
Experimento com irrigação de alfaces em Brasília. Foto: Embrapa Hortaliças
Experimento com irrigação de alfaces em Brasília. Foto: Embrapa Hortaliças

Brasília, 26 de maio de 2021 (IICA) - Diante da mudança do clima e da escassez e contaminação hídrica, a reutilização de águas residuais tratadas é uma opção cada vez mais considerada para atender à demanda por água, incluindo o seu uso na agricultura. O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) vem participando de projetos que contemplam essa modalidade no Brasil.

Um exemplo é o modelo de baixo custo de estação de tratamento de efluentes (ETE) desenvolvido na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que está sendo testado quanto à segurança e eficiência na reutilização de efluentes tratados na irrigação de hortaliças.

A experiência foi realizada em uma área de 200 m² cultivada com alface em Brasília. As provas de qualidade da água e do solo realizadas produziram excelentes resultados.

“Em todas os lotes cultivados com alface, independentemente da fonte de água de irrigação ou do sistema de produção, o resultado foi idêntico: não houve contaminação nem diferença nos índices de produtividade”, disse o engenheiro ambiental Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador da Embrapa.

O funcionário explicou que as plantações de alface foram regadas por gotejamento, de modo que a água residual entrou contato com o solo, e não com as folhas, o que minimizou o risco de contaminação.

“Quando se reutiliza o efluente tratado na irrigação de hortaliças, para maior segurança não se recomenda a irrigação por aspersão diretamente nas folhas, embora o efluente tratado seja de altíssima qualidade”, foi a explicação do profissional.

Instalado em escala real nos campos experimentais da Embrapa Hortaliças, o protótipo foi desenvolvido para, além de permitir a reutilização do efluente tratado na irrigação de cultivos de hortaliças, oferecer um sistema de tratamento eficiente e de baixo custo que possa ser construído com materiais de fácil acesso e adotado por comunidades rurais e populações originárias, como indígenas e quilombolas (descendentes de escravos), os quais, na maioria dos casos, não dispõem de serviços básicos de saneamento.

A estação de tratamento tem uma configuração compacta e foi dimensionada para processar um caudal de efluentes gerado por até 500 pessoas, o que equivale a um volume diário de 50 m3 (50 mil litros) a um custo de implementação estimado em R$ 80.000,00 (cerca de US$ 15.100).

O sistema em questão tem custo significativamente menor que os modelos individuais de tratamento de efluentes para uma só família. Existe a possibilidade de repartir esse resultado por todas as famílias de uma comunidade, com a ETE adaptada ao número de beneficiários.

“Pode-se atender a mais pessoas com um investimento comparativamente menor que os sistemas individuais”, disse Heithel Silva, coordenador técnico do IICA no Brasil.

Diante dos primeiros bons resultados da reutilização de águas residuais em plantações de alface, os testes de validação serão ampliados ao longo de 2021 com a instalação de estações de tratamento em comunidades rurais da região semiárida do Nordeste do país.

O primeiro município que receberá uma unidade de validação de ETE será Petrolina, no estado de Pernambuco, graças a um trabalho que uniu o Ministério do Desenvolvimento Regional, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a Embrapa, o IICA e organismos públicos municipais.

“Um projeto com essas características abre, para além de questões de saneamento, tratamento e reutilização dos efluentes tratados, novos horizontes para a inclusão produtiva dessas comunidades e conjuga preceitos que garantem a segurança alimentar e nutricional. Isto é uma consequência direta da diversificação de cultivos, muitas vezes obstaculizada pela escassez de água e pelo risco de contaminação de águas próximas”, acrescentou Silva.

Potencial na Bahia - Em outra frente de trabalho, o IICA e a Empresa Baiana de Água e Saneamento S.A. (Embasa) contrataram um estudo que revelou o potencial de reutilização do fluxo de efluentes por ela tratados (aproximadamente 5.478 litros por segundo).

Atualmente, a Embasa opera 134 sistemas de esgoto em 103 dos 417 municípios baianos. A empresa atende a 1,4 milhão de conexões em 363 plantas de tratamento de águas residuais. O objetivo do estudo foi elevar o potencial de reutilização para o estado, os seus municípios e as suas regiões, considerando o uso intensivo em agricultura e o desenvolvimento do uso na região semiárida e na industrial, para uma melhor compreensão do potencial no estado e um planejamento integral dos recursos hídricos.

“No atual cenário de escassez hídrica, é essencial construir momentos de reflexão e intercâmbio para se discutir alternativas para a gestão e a ampliação da oferta de água, uma vez que boa parte do território baiano está localizada no semiárido”, disse Júlio Mota, gerente de Tecnologia Operacional da Embasa.

O uso de águas servidas de plantas de tratamento de águas de efluentes (ETE) para fins não potáveis, como atividades agrícolas, industriais e urbanas e recarga de aquíferos, é ainda incipiente no Brasil. A prática, porém, foi considerada uma alternativa para um destino sustentável, com vantagens sociais e econômicas.

Gabriel Delgado, Representante do IICA no Brasil, informou que o Instituto constituiu um grupo para estudar as possibilidades de internacionalização da tecnologia na América Latina e no Caribe, principalmente pelos resultados promissores e pelo seu impacto positivo no desenvolvimento do meio rural e ambiental.

“É importante trabalhar sobre a diversidade da matriz hídrica. As experiências servirão de referência para uma plataforma nacional e de aprendizado para que outros países comecem a trabalhar de maneira estratégica e prioritária em políticas e programas de reutilização nos países da América Latina e do Caribe”, disse Delgado.

As projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estimam que pode ocorrer uma redução de 30% nos valores de chuva até o final deste século.

Com exceção do Sul do Brasil, a expectativa é que todas as demais regiões enfrentem uma queda nas taxas de precipitação anual média até 2100. O Nordeste será a região brasileira mais afetada, com risco de que as áreas semiáridas se tornem áridas. A mudança do clima ameaça o regime de chuvas não só no Brasil, mas em todo o Planeta, como o Corredor Seco Centro-Americano, entre outras áreas vulneráveis da região.

O estudo da Embasa incluiu a elaboração de um Manual de Práticas de Operações e Reutilização com o objetivo de oferecer diretrizes sobre como implementar a reutilização. O manual inclui aspectos normativos, formas de controle e acompanhamento, informações sobre como sensibilizar o público para uma melhor aceitação do projeto, além de enumerar as entidades envolvidas e as partes interessadas. Atualmente, existem 15 projetos de reutilização em operação no Brasil.

ETE Vitória da Conquista: selecionada para Projeto Piloto/foto Embasa
ETE Vitória da Conquista: selecionada para Projeto Piloto/foto Embasa

Para Cristina Costa, coordenadora do projeto com a Embasa no IICA Brasil, não existe uma solução única para universalizar os serviços de esgoto ou garantir a segurança hídrica.

A perita afirma que é necessário analisar o contexto local e considerar um conjunto de soluções viáveis para se garantir a segurança hídrica com diversificação da matriz de abastecimento de água, e se verificar a viabilidade de outras iniciativas além da reutilização, dessalinização, uso de águas subterrâneas, redução de perdas e descontaminação de corpos de água. “Cada vez mais, a reutilização faz parte da carteira nacional de suprimento de água, especialmente em regiões com escassez de água”, disse ela.

“Os Estados Unidos são o país que mais pratica a reutilização de água, mas o México e a China estão investindo cada vez mais, bem como a Austrália que sofre os graves efeitos da mudança do clima", acrescentou, indicando que a prática valoriza o efluente.

No Brasil, a maior empresa de reutilização para uso industrial do país está em São Paulo. A reutilização de efluentes sanitários tratados é uma das estratégias que as empresas de saneamento utilizarão para enfrentar, com segurança e sustentabilidade, a crescente escassez de água no mundo e os custos elevados da sua busca. 

IICA Brasil com Embrapa Hortaliças e Embasa